Apoio e estratégia: futuro da Ucrânia é tema de nova cúpula internacional

Foto: Reprodução/Vaticano

Começou nesta quinta-feira (10), em Roma, a 4ª Conferência Internacional de Doadores para a Reconstrução da Ucrânia. O encontro de dois dias reúne o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, o chanceler alemão, Friedrich Merz, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, além de comissários europeus e empresários.

Esta é a quarta vez que líderes internacionais se reúnem para discutir a reconstrução do país. As expectativas são altas, mas o desafio financeiro é imenso: segundo o Banco Mundial, o plano de reconstrução da Ucrânia exige cerca de US$ 500 bilhões — recursos que ainda não estão disponíveis.

Na abertura do encontro, a primeira-ministra Georgia Meloni declarou que os participantes estavam dispostos a mobilizar cerca de € 10 bilhões para ajudar Kiev.

Já o presidente ucraniano pediu que seus aliados invistam mais na defesa diante dos ataques russos. Ele também acusou Vladimir Putin de querer destruir “a vida em sua própria essência”, enquanto o número de vítimas civis na Ucrânia atingiu, em junho, um recorde mensal nos últimos três anos, segundo uma missão da ONU. “Os ucranianos enfrentam agora ataques com centenas de drones todas as noites. Isso é puro terrorismo”, denunciou Zelensky.

O chanceler alemão, Friedrich Merz, exortou o presidente americano, Donald Trump, a “permanecer ao lado dos europeus” no apoio à Ucrânia. “Fique ao nosso lado e ao lado dos europeus. Estamos na mesma sintonia e buscamos uma ordem política estável neste mundo”, declarou Merz, acrescentando, em mensagem dirigida à Rússia: “Nós não vamos desistir”.

O evento tem como objetivo político alertar para o risco de descumprimento das promessas feitas nas edições anteriores, realizadas em Lugano (2022), Londres (2023) e Berlim (2024).

Nos bastidores, cresce a preocupação de que, sem mobilização internacional e, sobretudo, sem investimento privado substancial, o plano de revitalização e modernização da Ucrânia não avançará. Enquanto não houver sinais concretos de negociações de paz, investidores seguem cautelosos.

BlackRock, JPMorgan e o fundo de reconstrução da Ucrânia

Em 2023, o governo ucraniano incumbiu a BlackRock e o JPMorgan de estruturar um fundo internacional para atrair capital e catalisar o investimento privado na reconstrução pós-guerra da Ucrânia, reconhecendo que não conseguiria fazê-lo sozinho.

A proposta previa a criação de um fundo de recuperação avaliado em mais de US$ 15 bilhões, com US$ 2 bilhões provenientes da iniciativa privada. O fundo seria registrado em Luxemburgo e administrado por um comitê de investimentos com analistas internos.

Para atrair investidores considerados “mais cautelosos”, a estrutura de governança buscou incluir governos e instituições financeiras internacionais, oferecendo proteção contra riscos e tornando o projeto mais atrativo. Os recursos seriam direcionados a setores estratégicos, como infraestrutura, energia, agricultura e produção industrial.

No entanto, em janeiro de 2025, a BlackRock, maior fundo de investimentos do mundo, suspendeu o projeto de captação de recursos devido à “falta de interesse”, principalmente dos Estados Unidos, que, na prática, não apoiaram a iniciativa.

Essa falta de apoio está ligada à ambiguidade da posição de Donald Trump desde que reassumiu a presidência. Apesar de seu ativismo, Trump nunca assumiu uma posição clara sobre o financiamento dos esforços de defesa e reconstrução da Ucrânia, o que impactou negativamente a confiança dos investidores.

Entre os governos europeus — os mais politicamente expostos no apoio a Kiev — sempre houve o receio de que a escolha da BlackRock, liderada por Larry Fink, poderia desestimular outros atores a comprometer recursos para a recuperação do país invadido pela Rússia.

Solucionar essa equação financeira será o pano de fundo constante do evento de dois dias realizado no centro de congressos La Nuvola, em Roma — uma arrojada obra do arquiteto Massimiliano Fuksas, inaugurada em 2016 e projetada para se assemelhar a uma nuvem.

Participantes de peso

Uma delegação americana participa do evento, liderada pelo enviado especial para a Ucrânia, Keith Kellogg. No entanto, nenhum membro do governo de Washington é esperado.

Estão presentes cerca de 3,5 mil participantes, incluindo mais de 100 delegações oficiais, 40 organizações internacionais, 2 mil empresas — aproximadamente 500 delas italianas —, além de centenas de representantes de governos locais e da sociedade civil.

Os potenciais investimentos devem se concentrar em infraestrutura, habitação, energia, indústrias estratégicas, setor digital e saúde.

Grandes ausentes

Entre as ausências notáveis estão o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer. Ambos participam, em Northwood (Reino Unido), de uma reunião da chamada “coalizão da boa vontade”, que reúne 30 países dispostos a estabelecer uma força de paz após um eventual cessar-fogo.

Macron e Starmer devem entrar em contato com Giorgia Meloni e Friedrich Merz por videoconferência. Segundo o Palácio do Eliseu, os europeus abordarão temas como a manutenção da capacidade de combate da Ucrânia e a regeneração de seu exército. O presidente ucraniano participa de ambos os eventos.

Encontro com o Papa

Na véspera da conferência, Zelensky foi recebido pelo papa Leão XIV em sua residência de verão, em Castel Gandolfo, a 25 km de Roma. Eles conversaram sobre a possibilidade de o Vaticano sediar negociações de paz entre Ucrânia e Rússia.

A reunião — a segunda entre ambos desde a eleição do pontífice, em maio — durou cerca de meia hora. Segundo a Santa Sé, foi reiterada “a necessidade urgente de uma paz justa e duradoura”.

Em comunicado, o Vaticano afirmou que “o Santo Padre expressou seu pesar pelas vítimas e renovou suas orações e proximidade ao povo ucraniano, incentivando todos os esforços voltados à libertação dos prisioneiros e à busca de soluções compartilhadas”. O papa reafirmou sua disposição de receber representantes da Rússia e da Ucrânia no Vaticano para negociações.

Zelensky, por sua vez, publicou uma mensagem no Telegram agradecendo ao papa por seus esforços para ajudar a reunir as crianças levadas pela Rússia após a invasão. Ele pediu apoio contínuo e orações “para trazê-las de volta para casa”.

O papel do Vaticano e os desafios diplomáticos

Os Estados Unidos confirmaram que o Vaticano poderia sediar possíveis negociações de paz, mas Moscou recusou. Em maio, o chanceler russo, Sergei Lavrov, afirmou que a própria Santa Sé se sentiria desconfortável em mediar um conflito entre duas nações de maioria cristã ortodoxa.

O papa Francisco havia nomeado o cardeal italiano Matteo Zuppi como enviado especial para facilitar o retorno das crianças deportadas e buscar “caminhos de paz”. Após visitas a Kiev, Moscou, Washington e Pequim, os esforços parecem ter perdido força — ao menos publicamente.

O governo russo foi amplamente condenado por deportações ilegais de famílias ucranianas, incluindo crianças, após a ordem de Vladimir Putin para a invasão em larga escala da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.

O Vaticano não divulgou detalhes sobre como está atuando para repatriar as crianças, mas o papa reafirmou seu apoio a Kiev e classificou a guerra como “sem sentido”.

Zelensky também reiterou o convite para que Leão XIV visite Kiev, algo que já havia feito em seu primeiro telefonema ao pontífice, ao parabenizá-lo por sua eleição.

Desde o início de seu pontificado, Leão XIV tem demonstrado uma postura distinta da de Francisco em relação à guerra. Enquanto o papa argentino chegou a atribuir o conflito, em parte, aos “latidos da Otan” contra a Rússia e sugeriu que os ucranianos hasteassem a “bandeira branca”, Leão insiste em oferecer o Vaticano como local neutro para negociações. Por esta razão, ele evita visitar Kiev enquanto a tentativa de mediação está em curso.

Fonte: Metrópoles