Justiça condena médica que se recusou a aplicar anestesia em grávida

Foto: RPC

A médica Iuria Sumi foi condenada por violência obstétrica contra uma mulher em trabalho de parto atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital do Rocio, em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. A defesa dela ainda pode recorrer da decisão.

Segundo o Ministério Público do Paraná, em fevereiro de 2022, a médica negou anestesia para a paciente, alegando que "não fornecia analgesia nem mesmo para pacientes de convênio e, muito menos, do Sistema Único de Saúde". Na denúncia, o MP cita ainda que a médica teria dito durante o parto "que o bebê não nascia por culpa da vítima, que não fazia força direito".

Ao longo do processo, a médica negou as acusações.

Conforme a denúncia que baseou a condenação, a vítima foi deixada por várias horas sozinha, com dores, em um quarto escuro, mesmo pedindo ajuda. A mulher relata ainda que teve que ficar cerca de 40 dias afastada em razão do trauma físico e psíquico do parto.

Segundo a denúncia, a ação da médica causou sofrimento psicológico à vítima e não garantiu que ela tivesse assistência adequada e humanizada durante o parto.

A juíza Mércia Deodato do Nascimento entendeu que houve violência obstétrica e condenou a médica a sete meses de prisão. O hospital não foi investigado no processo.

"As narrativas apresentadas pela vítima, pela testemunha e as incongruências do relato da ré, somado ao laudo psicológico confirmam a narrativa fática constante na denúncia, no sentido de que a vítima sofreu dano emocional, após ser submetida a episódios de constrangimento, ridicularização e humilhação durante o seu trabalho de parto, sendo submetida a violência obstétrica pela ré Iuria Sumi, fatos que causaram prejuízo à sua saúde psicológica", diz a sentença.

O advogado Edson Gonçalves, que representa a médica, afirmou que a cliente prestou todo o atendimento possível à vítima.

"Minha cliente atendeu ela antes do parto, então, durante esse atendimento prévio, em momento algum foi negado qualquer atendimento para ela. Todos os protocolos foram atendidos. É uma médica com mais de 30 anos de experiência, então não tem como concordar com essa condenação", afirma.

Pena alternativa

A médica foi condenada a sete meses de reclusão. Porém, na sentença, a Justiça determinou a substituição da pena.

Com isso, a médica terá a obrigação de cumpriu uma hora de trabalho voluntário por dia de condenação, a fim de não prejudicar a jornada de trabalho dela. O local será escolhido pela Justiça conforme as aptidões da médica.

A profissional de saúde também foi condenada a indenizar a vítima em R$ 5 mil.

O caso foi analisado também pelo Conselho Regional de Medicina, que absolveu a médica das acusações. Conforme o órgão, os processos tramitam na instância penal, civil e administrativa (CRM) de maneira independente, visto que são regidos por códigos diferentes.

Legislação brasileira não prevê crime de violência obstétrica

O Ministério Público considerou a condenação "justa e satisfatória".

"A condenação não vai apagar aquilo que a vítima passou, mas sim ajudar a evitar que novos comportamentos desse tipo venham a ocorrer", afirma o promotor de Justiça Eduardo Labruna Daiha.

Não há lei federal no Brasil ou outro tipo de regulamentação nacional sobre o que configura ou não violência obstétrica. Atualmente, a conduta de violência obstétrica se enquadra em outros crimes como lesão corporal, injúria, violência psicológica, entre outros, além de infrações no âmbito cível.

Para a promotora de Justiça Mariana Bazzo, a ausência de uma legislação específica é uma das mais expressivas lacunas na área de combate à violência de gênero.

"Com certeza isso representa uma ausência de informação e de punição de condutas assim, pois a mulher em situação de violência não vai ter noção do que é considerado errado pela legislação", afirma Bazzo.

Para a promotora, o problema se estende também na dificuldade para a elaboração de políticas públicas.

"Isso representa um grande prejuízo para que políticas públicas sejam implementadas de forma a resolver o problema, pois sequer são produzidas estatísticas sobre essas ocorrências. Não há um tipo penal, não há um filtro, não há estatísticas e, por isso, não se organizam medidas de prevenção da violência com precisão", reforça.

Hospital diz que colaboradores passam por treinamento

Em nota, o Hospital do Rocio afirmou que a médica que não atua mais na instituição. O hospital ressaltou ainda que remédios para a dor estão disponíveis para todas as pacientes, inclusive as que são atendidas pelo SUS. Confira na íntegra o posicionamento:

O Hospital do Rocio não tolera qualquer tipo de violência obstétrica, respeita integralmente todos os direitos das gestantes, bem como reforça seu compromisso com a segurança do paciente e qualidade da assistência médica.

A instituição reafirma que não é parte da Ação Penal em questão, que envolve apenas uma médica que não atua mais no seu corpo clínico, mas que sempre esteve à disposição das autoridades e prestou todos os esclarecimentos que lhe cabiam no curso do processo.

Sobre o caso específico noticiado, o hospital deixa claro que todas as doulas, que realizam o prévio cadastramento previsto em lei, sempre acompanham as parturientes atendidas. No atendimento da paciente em questão, há o registro de que, apesar da doula não fazer o seu cadastro prévio, mesmo assim, acompanhou normalmente o trabalho de parto. Além disso, a opção da analgesia sempre esteve e está disponível para todas as pacientes, inclusive as que são atendidas pelo SUS.

O Hospital do Rocio esclarece que todos os seus colaboradores e médicos são constantemente orientados, treinados e capacitados, de modo a manter a excelência no atendimento e na experiência de todos os pacientes da instituição.

Fonte: G1