Uma operação da Polícia Federal, deflagrada nesta quinta-feira (2), expôs novamente a complexidade e o alcance das organizações criminosas envolvidas em fraudes de concursos públicos.
Três pessoas foram presas e outras 16 identificadas por envolvimento em esquemas que incluem até a implantação cirúrgica de pontos eletrônicos. Os crimes atingiram processos de grande porte, como o Concurso Nacional Unificado (CNU), além de concursos das Polícias Civis, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.
Mas como essas quadrilhas conseguem burlar protocolos de segurança cada vez mais rigorosos e movimentar cifras milionárias em troca de vagas no serviço público?
A resposta pode estar na combinação de técnicas sofisticadas, na exploração de brechas e nas falhas de fiscalização que nem sempre são perceptíveis. Entre os métodos mais comuns identificados pelas autoridades estão:
Ponto eletrônico implantado cirurgicamente: na operação mais recente, a PF confirmou o uso de dispositivos eletrônicos inseridos no corpo dos candidatos, que só podiam ser removidos por procedimento médico. O equipamento permitia a recepção de informações externas durante a prova, oferecendo controle quase total sobre o desempenho do candidato.
Falsificação de documentos e de identidade: nesse método, os candidatos são substituídos por terceiros que realizam as provas em seu lugar ou apresentam documentos falsos para efetivar a contratação. O esquema exige coordenação minuciosa e, frequentemente, o envolvimento de profissionais de diversas áreas.
Acesso antecipado ao conteúdo das provas: integrantes das quadrilhas conseguem ilegalmente o conteúdo das provas antes da aplicação, o que permite a preparação estratégica dos candidatos ou a manipulação direta das respostas.
Esses métodos demonstram que as quadrilhas não atuam de forma amadora. Elas operam como organizações estruturadas, com divisão de tarefas, hierarquia definida, ramificações em diversos estados e serviços complementares — desde quem aplica as provas até operadores financeiros que administram os lucros obtidos ilegalmente.
Os valores envolvidos são milionários. Uma operação realizada em Goiás, em 2017, identificou que um ex-funcionário do Centro de Promoção e Seleção de Eventos (Cespe) cobrava até R$ 375 mil por vaga em esquemas de alto risco e complexidade.
A investigação revelou que ele recolhia os cartões de resposta dos candidatos, entregues em branco, e os preenchia corretamente após a divulgação do gabarito.
Além do pagamento direto, a PF já identificou organizações que cobravam até R$ 150 mil por pacotes completos, que incluíam a realização da prova por terceiros, a falsificação de documentos e mecanismos para ocultação do dinheiro.
O advogado José da Silva Moura Neto, especialista em concursos públicos, ressalta que, embora as bancas tenham reforçado os protocolos de segurança, os métodos utilizados pelas quadrilhas também evoluíram.
"Há casos de vazamento de provas. Em um deles, envolvendo o Cespe, uma quadrilha fazia a prova e repassava as respostas ao candidato, explica Moura Neto. "Hoje, esse tipo de operação está mais difícil, porque as bancas dividiram etapas e reduziram o acesso integral ao material".
Apesar disso, o especialista ressalta que essas organizações se adaptam: mudam os alvos, utilizam tecnologia e contam com redes que atuam em diferentes estados.
Ele também destaca que provas discursivas funcionam como barreira extra:
“A dissertação dificulta a fraude porque exige produção própria. É uma proteção importante, mas não elimina outras formas de manipulação.”
O que acontece se a fraude for identificada?
Além da anulação das aprovações e da exclusão dos candidatos, servidores já nomeados podem ser afastados e responder a processos disciplinares e penais.
Os envolvidos podem ser enquadrados por crimes como fraude em concurso público, organização criminosa, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro.
Sobre a operação realizada nesta quinta-feira, a Polícia Federal informou que, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério da Gestão e Inovação, está ampliando os mecanismos de fiscalização para garantir mais segurança, transparência e integridade nos concursos realizados em todo o país, inclusive no CNU, que será aplicado no próximo domingo (5).
Entre as ações que diferenciam esta edição da primeira, realizada em 2024, estão:
provas identificadas página a página com códigos de barra específicos para cada candidato;
o número do tipo de prova não será revelado nem durante a aplicação, mas somente quando os gabaritos forem divulgados;
haverá detectores de metal em todas as salas e em todos os banheiros dos locais de prova;
detectores de ponto eletrônico serão utilizados sob orientação policial em todos os municípios;
a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Polícias Militares estaduais atuarão de forma ampliada na escolta de provas, enquanto a Força Nacional, em conjunto com as PMs estaduais, está garantindo a guarda das provas nos locais de armazenamento.
Fonte: G1
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