Proteína da placenta ajuda pacientes com lesão na medula a recuperar funções motoras

Reprodução/TV Globo

Cientistas brasileiros apresentaram nesta terça-feira (9) o resultado de uma pesquisa que eles têm desenvolvido há mais de 25 anos. Na fase experimental, o tratamento baseado em uma proteína extraída da placenta devolveu parte dos movimentos a cães e a humanos que tiveram lesão na medula. A Anvisa ainda precisa autorizar novos testes clínicos para garantir a segurança dos pacientes.

O bancário Bruno Drummond de Freitas sofreu um acidente de carro em 2018 que causou uma lesão cervical grave, com esmagamento completo de uma parte da medula espinhal.

“Acordei pós-cirurgia sem lembrar de nada e sem fazer movimento. Braço, aqui, eu conseguia fazer esse movimento. Dedos da mão, pés, perna, quadril, abdômen, nada mexia”, conta Bruno.

Mas antes de acordar e se descobrir na condição de tetraplégico, ele passou por um procedimento logo na chegada ao hospital. Com autorização da família, virou paciente de um estudo clínico acadêmico aprovado pelos órgãos éticos. E, duas semanas depois do acidente...

“Consegui mexer o dedo do pé. Na hora que eu só mexi o dedão do pé, na minha cabeça: “Tá bom, vou fazer o que com o dedão do pé?”, conta Bruno.

O que o Bruno ainda não sabia era que aquele pequeno movimento, tão banal para ele, foi o primeiro grande resultado prático, em um ser humano, de uma pesquisa iniciada lá em 1999 nos laboratórios do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um estudo liderado pela pesquisadora brasileira Tatiana Sampaio, professora doutora da UFRJ.

“Para a gente mexer o dedão do pé, a gente só precisa de dois neurônios. Um que está aqui no cérebro e que vai se comunicar com o segundo neurônio que está na medula espinhal, que está dentro da coluna. E de um segundo neurônio que vai sair então da coluna e vai até o dedão do pé, para levar informação para que ele se mexa. O que acontece em uma lesão é que a comunicação entre esses dois neurônios - esse que está aqui e o outro que está dentro da coluna - é interrompida. O que a gente descobriu aqui foi uma maneira de fazer com que essa conexão se restabeleça”, explica Tatiana Coelho de Sampaio.

Como isso aconteceu? Observando a laminina: uma proteína do corpo humano que forma uma grande malha e impulsiona a troca de informação entre os neurônios na fase embrionária da vida. Depois, fica mais rara no corpo. A bióloga descobriu que era possível recriar em laboratório essa grande malha, chamada de polilaminina, extraindo as proteínas de placentas.

Pesquisadores, médicos, fisioterapeutas e alunos da UFRJ se juntaram ao estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, a Faperj, e, juntos, constataram que, quando reintroduzida no corpo, a polilaminina pode ajudar a parte mais longa do neurônio a abrir um novo caminho no local da lesão até o próximo neurônio, voltando a gerar o impulso elétrico necessário para realização de um movimento.

O neurocirurgião Marco Aurélio de Lima, com mais de 30 anos de experiência em cirurgias de coluna, participou dos estudos iniciados sete anos atrás em oito pacientes com lesão completa da medula espinhal. Cada paciente recebeu uma única injeção de polilaminina diretamente no ponto lesionado, em até 72 horas depois do acidente.

“Isso é uma coisa inédita. Porque nenhum estudo tinha demonstrado isso até o momento. No mundo. Se a gente buscar hoje, a gente não vai encontrar nenhum estudo no mundo com medicação atuando em regeneração medular que conseguiu isso”, afirma o neurocirurgião de coluna Marco Aurélio Brás de Lima.

Dois pacientes não sobreviveram aos ferimentos causados pelos acidentes. Os outros seis apresentaram níveis diferentes de recuperação motora. Hoje, a Silvânia consegue elevar as pernas e pedalar. O Guilherme readquiriu mobilidade nos braços, nas mãos, no abdômen. A artesã Nilma Palmeira de Melo recuperou o controle do corpo, comanda a cadeira de rodas e opera uma façanha.

“Ficar em pé, porque o médico falou que eu não ficaria. Eu só faltava dançar de felicidade”, conta Nilma Palmeira de Melo.

Em 2021, uma empresa farmacêutica brasileira transformou o experimento com polilaminina em um medicamento testado em seis cães com lesões mais antigas, como mostrou o Fantástico. Quatro recuperaram movimentos. Uma revista científica internacional publicou o resultado.

O registro da patente do composto de polilaminina demorou 18 anos. A empresa farmacêutica apresentou os resultados dos estudos nesta terça-feira (9), em São Paulo. Novos testes clínicos com o medicamento em humanos dependem de autorização da Anvisa - que aguarda informações complementares em nome da segurança.

“Como foram testes acadêmicos, o que a empresa está fazendo são testes complementares para atender os requisitos regulatórios, especialmente de segurança, para que a Anvisa autorize o início da próxima fase, que é a fase 1 com pacientes. Aí você pergunta: ‘Mas já foi feito um teste com pacientes?’. Mas ainda de forma acadêmica, poucos pacientes”, explica Claudiosvan Martins, coordenador de pesquisa clínica na Anvisa.

Especialistas consultados pelo Jornal Nacional dizem que a pesquisa traz esperança, mas pedem cautela até que os resultados sejam comprovados nas novas etapas do estudo.

O Bruno mexeu bem mais que o dedo do pé. Ergueu uma perna, depois as duas, usou andador e bengala, subiu escada, correu, saltou. Hoje, ele caminha pelo campus universitário até os laboratórios onde tudo começou.

“Hoje em dia, consigo me movimentar inteiro, claro que com certas limitações. Minha perna movendo. Aí, consigo levantar, consigo andar, dançar, voar. Consigo me movimentar aqui. Então, isso daqui, graças a Deus, me garantiu minha independência. Estou me movimentando. Pé. Tem movimento do pé”, comemora Bruno Drummond de Freitas.

Fonte: G1